quarta-feira, 21 de março de 2012

Ele devolve.

Pensou duas vezes e sentou-se na cadeira antes de pensar a terceira e desistir. Fez algo não costumeiro e apagou o cigarro sem sequer chegar na metade. Tirou o telefone do gancho. Apertou alguns números e sem esperar muito, começou a balbuciar palavras baixas.
- Alô... Me desculpe. Eu estou nervosa, há tanto tempo não faço isso e talvez eu gagueje um pouco... É, já estou notoriamente gaguejando. Eu não sei por onde começar então vou logo ao ponto: Estou perdida. Estou perdidamente confusa. Durante muito tempo eu questionei o que você acharia disso tudo se ainda olhasse por mim. Depois pensei que você jamais retornaria a me proteger, por eu simplesmente não merecer. Eu não conseguia aceitar que você não era como eu. Que diferente de mim, você prestava. Outrora desacreditei de sua autoridade, te desfiz de minha imaginação e resolvi pensar que você era fruto de uma ilusória fuga. Eu passei por muitos caminhos e teorias diferentes até saber que você era o meu pai. Que não cabia explicação em livros ou em casas regidas por seres imundos e mentirosos. Não cabia aos outros a relação que era tão pessoal minha e sua. Mas de um tempo pra cá me sinto sozinha e sinto sua falta. Mesmo que ninguém entenda muito bem, mesmo que eu não entenda. Não te sinto como antes e por isso resolvi te procurar. Para saber por que você me abandonou, mas ao questionar isso, imediatamente comecei a me perguntar porque eu te abandonei. Porque foi exatamente isso que eu fiz... Sabe, estou andando com umas pessoas que nenhum pai gostaria de ver o filho caminhando junto. Estou tomando umas misturas que nem sei de que são feitas. Ainda não há nada entrando em meu nariz, mas de resto estou acabando com o meu corpo. Eu não gosto disso e porque diabos então estou fazendo? Eu não sei para onde ir e a cada passo que dou sinto que estou me distanciando do correto. Por favor, trague o que tiver a mãos que clareie meu caminho. Me ajude porque não sei se tenho mais forças para continuar procurando a distinção de certo e errado. Eu não vou falar "amém", talvez direi quando você me responder do outro lado da linha. Mas saiba que eu acredito em você e necessito que perdoe meus pecados levianos e aja como um pai. Que eu no fundo creio fielmente que és.
Alguém que ela não conseguia identificar entrou na sala e começou a rir do seu corpo sentado, um pouco encostado e jogado sob a mesa, levantando o braço para apenas segurar o telefone. Então pronunciou com voz rouca.
- Sua louca, está falando sozinha? Esse telefone está cortado já faz bastante tempo.
Ela virou o rosto para trás procurando encarar a pessoa que dizia, mas só conseguia enxergar uma luz fraca vinda do poste de luz que sobressaltava a janela. E um ponto de fogo em sua boca que provavelmente seria um cigarro ou um baseado. Resolveu não respondeu, apenas se levantou e caminhou até o corpo que sequer possuía nome em sua cabeça de memória afetada que não identificava que pessoa era.
- O que é isso aí?
- Maconha.
- Dá um trago!
- Pega aí. Mas me diz, com quem você estava falando?
- Com Deus.
- Você acredita nisso?
- Você não?
- Só em Jáh. E por sinal, dá para ele que ele devolve.
Ele jogou o resto de seda que permanecia entre meus dedos já queimados. Lambi os lábios também quentes de tragar o que já não existia mais.

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