quarta-feira, 14 de março de 2012

Me devolva.

Eram 02:10 da manhã. O inverno começava a chegar e era nítido pelo frio não costumeiro que voltava a cidade. Eu tremia um pouco abraçando os próprios braços e levantando o dedo apenas para apertar a campainha até que você me atendeu. Não estava dormindo, disso eu tinha certeza. Fiquei com medo de que sua namorada estivesse com você, mas me lembrei de que ela dorme cedo e você não recebeu o apelido de coruja em vão. Então ela não deveria estar aí. Você finalmente me atendeu e se assustou, me mandou entrar logo fechando a porta e me olhou esperando uma resposta.
- Eu me quero de volta. Você pode me entregar, por favor?
Primeiro ele ameaçou rir, com um sorriso de canto. Depois encarou os meus olhos e entendeu que a brincadeira tinha um fundo profundo de verdade.
- O que aconteceu?
- Vi sua publicação no jornal.
- A última?
- Sim.
- E...?
- Sou eu! Você me descreveu ao falar de si... Eu não gostava de café e hoje em dia faço todas as manhãs para tomar sozinha. Acho que me acostumei a fazer para você. E por mais que ainda veja desenhos infantis, só aqueles de luta que você também gosta. Mas o problema não está nisso. Eu consigo sobreviver bem sem coisas idiotas como Padrinhos Mágicos. É que eu sou uma filha da puta! Eu faço os homens chorarem como você faz as mulheres. Você me transformou em uma insensível cretina e canalha.
Ele permaneceu em silêncio, rindo em alguns momentos e pensando no que me responder. Ele sabia que era verdade, que eu realmente herdei dele esses costumes e infelizmente, essa cafajestagem.
- Você ajuda cadeirantes e velhinhas a atravessarem na rua. As vezes parece que você saiu de um filme sobre educação e boas maneiras. Não que eu não tenha bondade, mas você... Você é algo fora do comum. E não se culpe por fazer mal a alguém. Porque todos te fazem mal. Porque eu te fiz mal. A única diferença é que você não enxerga a dor que te causam. O seu altruísmo chegou a esse nível e não, isso você não aprendeu comigo. Você está sendo mais você do que nunca foi. Ignorando as maldades que todos te fazem e olhando apenas para o que você está fazendo aos outros. Você ainda é a pessoa mais pura e bondosa que eu conheço.
- Mas eu sou uma filha da puta!
- Não, você só é uma puta. Mas isso na cama!
Ele segurou minha calça e então puxou. Meu corpo caiu em cima do seu, passou as mãos na minha cintura até levantar meu corpo e me pegar no colo. Cheirou meu pescoço e beijou com delicadeza. Me pôs no chão, encostou sua testa na minha e abriu os olhos me encarando profundamente.
- Mesmo perdida, você está fazendo o certo.
- Como você sabe?
- Eu confio em você.
Se afastou e beijou minha testa. Virou as costas para mim e começou a andar em direção a cozinha. O segui para ver o que ele faria. Então ele abriu o armário como se começasse a procurar algo. Entendi que faria um achocolatado quente e comecei a rir. Ele ignorou meu riso e continuou. Então pôs na minha xícara dele preferida. Me entregou enquanto eu pensava que isso era exatamente o que eu queria, sem nem me dar conta.
- Você dorme aqui hoje.
- Não. Eu vou embora... Assim que acabar de tomar isso aqui.
- Não, não vai. Porque não vou te deixar ir sozinha e não estou com animação para te levar em casa a essa hora. Muito menos para brigar com você por ter vindo a essa hora sozinha aqui. Mas saiba que amanhã cumprirei as duas coisas.
- Está bem. Hum... Sabe, ninguém faz achocolatado quente como você.
- Eu nunca vi ninguém gostar de sal no achocolatado. Talvez essa seja uma das coisas mais estranhas que eu já vi.
- Sim. Mas mesmo com duas colheres de leite, uma de achocolatado e uma pitadinha de sal... Não fica igual. E olha que eu sempre tento.
- Você parece bem cansada. Dorme na cama e eu fico aqui.
- Não vou relutar.
- Boa noite garotinha.
- Boa noite. E ei, amanhã quando for embora leve o DVD do Batman que comprei. Sim, o novo. Sei que você vai gostar.
- Obrigada. Por tudo.
- A porta estará sempre aberta para você.
- Obrigada por isso também. E veja bem, agora você já terá sobre o que escrever no próximo jornal.
- E aí sim será sobre você. E sobre como ninguém pode te devolver se você é o que ninguém pode tirar.
Sorri, entreguei a xícara em sua mão e caminhei até o quarto tão conhecido. Deitei na cama e logo descansei como não fazia a muitas e muitas noites. Eu estava ali novamente. Dentro de mim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário