Mentalmente eu xingava todos os palavrões que conhecia. Vi sua silhueta virar a esquina e se encaminhar em minha direção, você olhava para baixo e aparentava estar meio avoada o que não era costume seu e sim meu. Já eu, andava meio parecida com você nos últimos dias, sempre ligada e mal humorada. Conforme os passos iam nos aproximando, me perguntava em meio aos palavrões mentais, que diabos deveria fazer naquela situação. Viraria o rosto numa atitude infantil de fingir não estar vendo você quando estava bem ali na minha frente ou te cumprimentaria como qualquer conhecida comum que esbarra em você hora ou outra na rua... Enquanto esse dilema acontecia dentro de mim, seus olhos se levantaram do panfleto que lia e me encontraram. Engoli seco enquanto minha perna deu uma leve pausa. Independente do que acontecesse, eu já não estava agindo mais naturalmente e sequer sob minha vontade. Ela sorriu, veio em minha direção em certa velocidade e me abraçou.
- Como você está?
- Eu... Eu estou... Bem. Eu estou bem.
Gaguejei. Como sempre faço quando minto.
Meia hora depois ela me mostrava o jardim onde o pai plantou flores vermelhas. Era bonito, pensei. Mas não disse nada, como não disse nada em todo o caminho que fizemos até a sua casa depois de insistentes você-não-tem-nada-melhor-para-fazer-mesmo. Estava frio, um tempo convidativo para se ficar em casa. Não entendi muito bem o porque sai de casa hoje, acho que ela também não. Independente do clima, ou do meu humor, ou de como eu andava ultimamente... Ao lado dela tudo se tornava leve novamente, embora minha barriga ainda se contorcece de alguma maneira estranha me lembrando que o nervosismo estava entre nós. Mesmo depois de dois anos e 5 dias e só não me recordo bem das horas porque estava um pouco alcoolizada quando nos esbarramos naquele show... Entramos pela porta da cozinha enquanto você era cordial, me oferecendo algo para comer.
- Você emagreceu.
- Isso é bom, não é? Eu não gostava do meu corpo.
- Mas eu gostava! Gostava muito aliás.
Ela passou a mão pequena e delicada na minha cintura, me puxando para perto de si enquanto eu tentava respirar sem mexer nenhum músculo que fosse do corpo. Tinha medo de estragar qualquer coisa que pudesse acontecer naquele momento. Como já havia feito muitas vezes. Afundou seu rosto no meu pescoço enquanto eu sentia o ar que tirava de mim.
- Eu nunca esqueci o seu cheiro. Ele é tão bom... E seu!
Em qual dos inúmeros dias que não nos vimos ela se tornou tão simpática, doce, leve e livre de toda aquela mágoa que carregava no peito e nas costas? Olhei para baixo, quase desmoronando em seus braços. Não aguentava mais tudo o que me fizeram longe dela. Desde que nos perdemos nesse mundo, me machucaram tanto que eu mal conseguia saber o que me cabia nessas histórias mal contadas e mal resolvidas. Entrei em seu quarto e como sempre fazia, admirei o mural de fotos e suas inúmeras fazes... Uma mais linda que a outra! Encostei no armário, enquanto ela arrumava os blocos e folhas soltas pela cama. A olhei durante algum tempo, enquanto ela se sentava e também me encarava. Me chamou com os olhos e eu fui sem questionar.
Ela estava só em casa, estava chovendo e meu corpo chamava pelo calor dela como nunca antes. Todos os motivos e desejos me arrastavam até seu colo protetor e ansiavam para que minha língua encontrasse aquela pele macia e branca. Ainda assim, encostei minha cabeça em suas pernas enquanto suas mãos acariciavam meu rosto e cabelo.
- O que fizeram com você, minha menina?
Fechei os olhos fortes em uma súbita vontade de sumir para que ela não me visse naquele estado tão deprimente. Ainda assim, seus dedos finos continuavam ali, a alisar minhas rugas de expressão na testa. A acalmar cada resquício de mágoa, dor ou dúvida que pudesse me atingir naquele momento.
As paixões que me tiraram o sono, me deixaram sem comer, sem viver. Era uma guerra diária comigo mesma enquanto relutava por ar em meio a tanta discordia e tristeza. E aquelas rugas que mal saiam da minha testa, aquele andar ranzinza e mal humorado que não me deixava encarar mais ninguém na rua. Tudo aquilo não fazia sentido algum, porque agora eu estava ali. E pela primeira vez, sem nenhuma conotação sexual ou desejo súbito de possui-la. Eu apenas estava ali, no colo do bem que me aguardava enquanto eu migrava, só e perdida madrugada a dentro.
- Obrigada por me esperar.
Pensei em dizer que a amava, e realmente a amava. Mas já cometi esse erro antes, já a entupi de informação sem provar nenhuma delas. Naquele exato momento, ela olhava pra mim e sabia o quanto eu a amava e o quanto necessitava de sua presença ao meu lado. Eu não precisaria dizer nada além do sorriso que surgia pouco a pouco entre os lábios que ela se aproximava...
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