- Então ela te segurou pelas pernas?
- Que termo chulo!
- Mas não deixa de ser verdade.
- Por que você está falando isso?
- Eu noto a maneira como você olha pra ela. E como ela é vulgar! Fica te provocando com sussurros ao pé do ouvido, isso sem contar aquelas saías absurdamente curtas...
Ele a interrompeu mesmo quando o tom aumentava consideravelmente, quase gritando de indignação. E então a fez calar assustada. Depois riu debochado.
- Além de absurdo, isso é estranho. Você fica a observando? E sinceramente, eu não quero saber a resposta. Não ficarei aqui escutando suas sandices.
Então ele virou as costas e saiu enquanto ela já preparava seus olhos para as lágrimas. Não que ela estivesse certa, não que estivesse errada. E não cabe ao narrador expressar o que um amor - correspondido ou não - faz com a cabeça de um ser humano. Então talvez ela realmente analisasse a outra, talvez até quisesse ser um pouco como ela. Ou não, só reconhecesse que ela era boa. Ou talvez, também não. Talvez não gostasse e estivesse se perguntando o que é de tão fundamental ele viu nela. Afinal, na mente dela a outra realmente havia lhe segurado pelas pernas. Como já dizia sua avó.
Ele foi para casa, em certo ponto sabendo que haveria de tomar uma decisão que a afastasse definitivamente da vida dele e de sua atual mulher. Sabendo que não se pode rotular como melhor amiga quem ainda daria a vida para tê-lo ao seu lado. Em outro ponto, ele simplesmente permaneceu incrédulo de toda aquela conversa, das coisas que ela disse e sabia, das coisas que ela simplesmente pensava. Até que o terceiro ponto surgiu em sua mente, já a duas quadras de casa ele começou a questionar quanto tempo eles passavam na cama. Se beijando, acariciando, enfim, se amando. E logo obtendo diálogos apenas em sussurros que impediam qualquer profundidade. Então mesmo sem aceitar, mentalmente fez um acordo consigo mesmo de não ceder a seus encantos e passarem a noite toda apenas conversando. Diria a ela que chegou cansado do trabalho e que essa noite queria comer apenas uma massa e ir direto para a cama ver um filme.
Já estava na porta quando mentalizou tudo isso e então passou as chaves na maçaneta e a abriu. Ela estava lá de calcinha e com a sua blusa de banda herdada do irmão quando tinha 17 anos. Com um rosto um tanto cansado e então inclinou o rosto para o lado e se abriu em um sorriso. Foi andando em sua direção de braços abertos como uma criança que pede colo. Então ele a segurou pela cintura, a puxou para seu colo e afundou seu rosto no ombro dela. Sentiu o cheiro que mesmo tão costumeiro, ainda era de se sentir saudade. Puxou os cabelos macios e loiros dela então se perguntou se realmente cumpriria seu pacto particular sobre não transarem essa noite. Resolveu se afastar dela delicadamente, tentando não demonstrar seu acordo mental.
- Eu aluguei um filme hoje.
- Que?
- Sim. E um romântico. Acho engraçado nós sermos assim, o homem da relação gosta de filme romântico enquanto eu não tolero.
- Exato. E se não tolera porque alugou?
- Porque você gosta.
Ela novamente se aproximou e lhe deu um beijo calado, nada molhado e um tanto subjetivo. Então continuo contando-o que fez pipoca, que preparou algo bem parecido com um cinema residencial. Então os dois deitaram para ver o filme no sofá da sala. E em 20 minutos ela já olhava incessantemente para ele e o relógio, para ele e o relógio, para ele e para aquele ponteiro que parecia nunca mover-se. Ela poderia não dizer, mas aproximando-se dele era como demonstrar que sentiu sua falta durante todo o dia. Que aquele fornecedor a deu um chá de cadeira e que seu chefe aparenta estar insatisfeito mesmo quando a mesma faz o trabalho de 10 homens. E que mesmo seu dia sento uma porcaria, todos os problemas ficaram da porta para fora quando ela chegou no lar que pertencia aos dois. Que ao seu lado, naquele exato momento, nada poderia atrapalha-los, nada poderia os fazer o mal. Ela cheirou seu pescoço, arranhando seu braço enquanto fechava a boca em um quase beijo seco no seu ombro, logo depois uma mordida fraquinha. Passou uma de suas pernas entre as dele, subindo e descendo como uma leve caricia. Então se encolheu em seu peito e levantou o rosto procurando seu olhar. Quando ele a respondeu, não perdeu tempo e o beijou. Um beijo doce, que aos pouquinhos evoluiu conforme ela arranhava com mais força o seu braço. E subia seu corpo até sentar-se de frente para ele. Aquela altura a vontade era muito maior do que qualquer acordo que ele fizera consigo mesmo. E para ela, que isenta de sabedoria desconhecia tal acordo, apenas aproveitava mais uma de tantas outras noites. Fazendo o que lhes era habituado e ainda assim, nunca se acostumavam. Sempre algo novo ou sempre tudo novo. Como na primeira vez, ainda se arrepiava, ainda se necessitava, ainda se gemia e ainda se gozava... Talvez até melhor agora com tamanho conhecimento mútuo. A noite se foi enquanto os dois se cansavam e só acabaram já exaustos no tapete.
As seis da manhã o dia começava a nascer e ultrapassar as persianas da sala. Ela ainda estava lá, semi nua e um pouco encolhida no tapete macio. Ele havia lhe coberto com uma colcha pega no quarto pelo próprio ao acordar. Preparou um café com todo cuidado para não fazer barulho e se encaminhou até o sofá apenas de cueca. Sentou lá e ficou admirando o corpo dela no tapete. Pensou em acorda-la, pensou em deitar novamente com ela, pensou em muitas coisas até lembrar-se do que acontecera ontem. Primeiramente se achou um tanto tolo por ter concedido aquela ideia alucinada. Depois começou a se lembrar de como ele amava seus traços do rosto delicado, seus dedos magros e compridos, seu sorriso amarelo quando está sem graça de quando foi conhecer seu pai, seu soluço depois de rir tanto das suas piadas que quase ninguém vê muita graça, da forma como ela tira sarro do seu jeito de fumar o cigarro que ela nem gosta... Ela acordou enquanto ele lembrava-se de ama-la por completo. E nunca se permitir esquecer isso. Nunca mais.
- Eu amo você por completo, sabia?
Então ele riu e se abaixou para poder da-lhe um beijo na testa.
- Você anda lendo mentes agora?
- Por que?
- Deixa pra lá. Eu também amo você por completo... E por um acaso estava pensando nisso agora.
- E sabe no que eu estava pensando?
- Em nada, ué. Você estava dormindo!
- Bobinho. Agora que acordei...
- Hum, em que?
- Que você nunca aprende a fazer café para dois.
Então eles riram e se beijaram. Por se amarem mesmo com toda essa cara de sono e o cabelo desgranhado. Mesmo um esquecendo de fazer o café e a outra não gostando de filmes românticos. Porque talvez eles precisassem demonstrar com o corpo o que a alma sente e o que a mente relembra. E nessa altura, o narrador não se contém em dar a sua opinião. O amor quanto mais completo é, mais lindo. E demonstrar todo esse afeto em um afago, seja ele qual for é apenas o melhor.
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