-  Agora nós faremos uma coisa que acontece em todos os shows. Vamos chamar duas pessoas que não se conhecem para subir aqui em cima e se beijarem. Mas não me enganem! 
Pegou a garrafa de vinho, bebeu no gargalo e junto com ele, virei minha heineken. Gritei sem pretensão de ser notada, mas o lugar não tão grande tinha apenas duas fileiras aglomeradas de pessoas que nos separavam, então ele ouviu.
- Pode gay?
- Oi?
- Pode beijo gay?
Repeti automaticamente, sem perceber que todos já nos olhavam. Ele de cima do palco com a garrafa na mão, eu embaixo imitando a pose.
- Pode. Pode sim! Qual seu nome?
- É Lívia.
- Vem aqui, Lívia.
O rosto vermelho, o coração acelerado, santa vergonha na cara que me resta. Todos me olhavam, caminhei, subi. Cheguei mais perto dele, sob o palco pequeno do bar.
- Na verdade eu só subi aqui pra te pedir uma música. Toca "the fixer" pra mim, por favor.
- Pode deixar.
Toda essa atmosfera do bar, os quadros do Rolling Stones a nossa frente, o mural do Oasis atrás e em cima, um manequim da Janis Joplim pendurada. Meu devaneio, sua garrafa de vinho... Era tão Gabito Nunes.
- Rômulo, vem cá! 
Um homem levanta a mão na platéia. Vem andando de encontro a nós. Ameaço descer do palco. Rindo, nervosa.
- Não. Você não entendeu. Eu só vim pedir a música... Eu não vou beijar ninguém. Espera, nem mulher é! 
Ele riu, chegou perto, fora do microfone.
- Vocês vão ganhar uma cerveja, veja pelo lado positivo.
- Não vou beijá-lo, cara. Desiste.
- Tá. E na bochecha? 
- Vai me pagar a cerveja?
- Vou.
- Então está bem.
Abracei o tal rapaz Rômulo que até não era de se jogar fora. Me beijou na bochecha rubra de timidez temporária, pensava em outra garrafa de Heineken gelada já que a minha acabou e o dinheiro havia terminado antes dela. Desci com o bendito Rômulo atrás, tagarelando qualquer palavra junto a minha ignorância. 
- Desculpa.
- Oi? Desculpa o que?
- Você ouviu algo que eu falei? 
- Sinceramente não, mas está desculpado, Rômulo, né?
Não esperei uma resposta, apenas voltei ao ponto de antes, com as companhias de antes, perguntando aonde se enfiou a minha cerveja já que o vocalista havia voltado a imitar o Eddie Vedder.
Duas músicas depois, ele aponta para mim.
- Agora eu vou cantar The Fixer, a pedidos da namorada do Rômulo, a Lívia.
Um fanático gritou ao meu lado junto comigo. Não o conhecia, mas cantamos aos berros cada frase da letra. No meu inglês mais dignamente precário possível. 
Foram 30 músicas, o show foi ótimo, a banda maravilhosa e o guitarrista dispensou qualquer comentário ou adjetivo qualitativo. 
Na fim da última música, antes mesmo do agradecimento, as pessoas já estavam indo embora. Quase 3 e meia da manhã, encostei no balcão, bebi minha tequila, depois uma vodca, queria mesmo a cerveja, mas como não estava pagando, consentia com o que me davam. 
- Aquele dali é o vocalista, né?
Alguém diz do meu lado, ele estava saindo do banheiro, algumas últimas pessoas pagavam a conta do bar enquanto os funcionários já retiravam as mesas.
- Oi...
- Oi!
- Você me deve uma cerveja.
Ele se vira para o balcão, já nitidamente alcoolizado. 
- Desce duas Buds, por favor!
Eu não sei bem como a conversa fluiu a partir daí, nem em que horário fomos expulsos ou eu descobri que na verdade, o vocalista de uma banda digna de cover para o Pearl Jam, na verdade era um professor de odontologia. 
O Rômulo aparece, brincando com o vocalista. 
- Vocês são primos?
- Somos. Como você sabe?
Eles não pareciam em nada, mas também tenho primos, e as brincadeiras, comentários, sacanagem, são os mesmos clichês de sempre.
- Chutei. 
O Rômulo se vira para falar só comigo.
- Agora você está me ouvindo, né? Desculpa pelo que ele fez... Ele só queria me sacanear por saber que você nunca ficaria comigo.
- Não é nada pessoal cara.
Então o vocalista voltou para a cena, puxando o braço do primo e colocando para lá. 
- Você canta muito bem, mas deveria parar de tentar imitar o Eddie. Cante com a sua voz, vai ficar melhor.
- Você acha?
- Acho.
- Sabe, eu vou martelar isso por aproximadamente uns três anos com minha analista.
Um homem robusto bate no ombro dele, só estão alguns amigos meus embriagados, outras pessoas da banda e uns três caras que discutiam comigo sobre quem-era-quem sobre bonequinhos de barros representando vocalistas conhecidos. O Bono Vox e Jimi Hendrix eram nítidos, já uma boneca loira e estranha não podia ser - e não era - a Janis Joplim. Obviamente a discussão se arrastou por quase uma hora. Um homem de meia idade estava ao lado da prateleira onde os bonecos se encontravam. Então comenta:
- Você conhece muito de música para sua idade... E você tem razão, o boneco da esquerda não é o Mick Jagger como estão dizendo, é o Jim Morrison.
- Você acha mesmo? Estava começando a achar que só eu conseguia ver o Jim ali.
- Acho. Mas concordei mais porque você é muito bonita.
- E o seu comentário é no mínimo um tanto idiota.
Levanto do balcão. Mais indignada com o fato de só eu enxergar o Jim ali, como podem confundir o Mick Jagger com ele? Como podem? 
Tudo está uma confusão, os grupos se misturam, mas o vocalista está sentado no mesmo lugar e volto, terminando a cerveja.
- Você me lembra um texto do Gabito Nunes. Você não deve conhecer.
- É, realmente não. Nos últimos três meses, tudo está de cabeça para baixo e sequer tenho tempo para ler. Mas é sobre música?
- Não... Mas ele tem bom gosto...
- Isso já conta muito. 
- O que aconteceu nos últimos três meses?
Ele me aponta a mão que reluz uma aliança grossa dourada. Vira a cerveja.
- O que fazer quando você goza e a mulher não? Continua mesmo sem vontade para satisfazê-la ou para e diz "se vira"?
- Assim, eu não sei muito sobre ejaculação precoce.
- Mas isso não é comigo não. É com o baterista aqui do lado, que está querendo ouvir uma opinião feminina, mas está com vergonha de te perguntar. Enfim, já deu pra confiar na sua sinceridade.
O baterista, já também bêbado e escondido atrás dele, me olha sobre os ombros. Volta para frente.
- É sempre sobre o amigo né? Ok, conta outra.
- Eu não gozo rápido, só pra você saber.
- Por que estamos conversando sobre isso? Tá, escuta. Refaz a sua pergunta e pensa como seria se fosse o contrário. Quando o cara se propõe a comer uma mulher, que faça direito e só pare quando a satisfazer. Por Deus.
- Mas isso seria uma obrigação.
- Então não comece. Se quer um ato egoísta, bata uma punheta vendo redtube. Mas qualquer relação sexual, mesmo que você sequer saiba o nome da pessoa, requer de você um comprometimento com o orgasmo alheio. 
Ele ri, bate sua garrafa na minha e bebe um gole. O homem robusto volta, entrando em nosso meio e dizendo:
- Agora é sério. O bar já está fechado.
Não há mais ninguém ali. Meu amigo está do lado de fora, sendo apoiado por outro e mijando na entrada de madeira do bar. Os outros integrantes já estão indo embora. Até o Rômulo está quase dormindo, parado em pé e esperando o primo.
- Perderemos contato, não é mesmo?
- Quando o efeito do álcool passar, serei apenas um professor de Odontologia. 
- Boa sorte com suas ejaculações precoces.
- Valeu! 
- E ei. O boneco era o Jim Morrison, a loira definivamente não era a Janis Joplin e o nome do escritor é Gabito Nunes. Isso não passará com o álcool. 
- Boa noite, cara!
- Boa noite.
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